Penso que conheci a internet no momento certo. Já tinha vivido uns bons 30 anos sem ela; talvez o suficiente pra agora poder fazer uma comparação "antes x depois".
Os muitos anos trabalhados na Comunicação dizem pra mim o seguinte: a net potencializou, na proporção do seu alcance, todas as faces do comportamento humano. Qual é essa proporção? Pense você, que tem mais de 50 anos, num esforço de meio minuto, com quantas pessoas tinha ou podia ter contato anual, mensal, semanal, diário, instantâneo, até meados dos anos 1990, sem um smartphone e sem a rede. E hoje...
Pois é. Isso é uma escala de potência matemática um tanto elevada, que foi transferida para a comunicação não apenas nos "bom dia" com quadradinhos floridos no Whatsapp e fotos no restaurante comemorando o aniversário com a família. Todo tipo de expressão humana está dimensionada assim - da troca de conhecimento entre os cientistas à mais baixa manifestação preconceituosa vinda de alguém que muitas vezes nem escrever direito sabe.
Derivado disso é o comportamento no mundo real, em vários níveis. No do cidadão comum, tão absorvidas estão as pessoas pela instantaneidade da informação que o que vejo é uma inversão: o que é concreto na forma está se tornando abstrato no valor. Você está ali, no centro da cidade, pronto pra atravessar a rua. Como o celular apita seguidas vezes e você "precisa" ver o que é, quase não se dá conta dos outros pedestres, do semáforo, dos carros. "Atropelado por um meme", poderá ser a manchete no dia seguinte.
Numa segunda esfera está a formação das tribos. Com esse índice de atenção dos cidadãos, é fácil arrebanhar seguidores para a tribo dos videogamers, a tribo dos cafeólatras, a tribo dos defensores dos pets, a tribo dos adoradores do Deus Dará ou dos apoiadores do político Narciso Spiegel (nomes fictícios e com uma ponta de ironia). E experimente posicionar-se contra; mesmo que você se entenda como neutro, será visto como inimigo.
O terceiro e mais inteligente nível é invisível (ou quase, porque sei de pelo menos uma meia dúzia que o enxerga): o dos que tiram proveito próprio dessa cega e sinistra fascinação coletiva. Por exemplo, agências como CIA, Interpol e FBI fazem a festa com o monumental banco de dados que se tornaram as redes sociais, onde as pessoas "entregam a rapadura" sobre a própria vida todo dia, a todo instante.
É nesse terceiro nível que está também a matemática do marketing atual. Virou uma baba para os profissionais e clientes grandões desse assunto, porque a quantidade substituiu a qualidade, que é coisa mais difícil de se conseguir. Todo povo tem de ir aonde o pseudo-artista está, ou o pseudo-político, o pseudo-guru, o pseudo-escritor, o pseudo-religioso, figuras rasas facilmente fabricadas, facilmente digeridas, consumidas e tornadas líderes de audiência e de arrecadação. E o povo vai mesmo - afinal, "se todo mundo segue ele (sic), também tenho que seguir". Sobre a autenticidade ou qualidade desses "heróis" é desnecessário (nenhuma novidade) pensar, refletir, estudar, questionar... Isso dá trabalho! Basta uma curtida, uma compartilhada, um "seguir este canal" e pronto - você é um cidadão que está na moda. A gente já viu que até eleições podem ser ganhas assim.
Mas como eu disse, é só para os grandões. Profissionais médios e pequenos suam sangue em busca de uma pepita nessa corrida do ouro virtual. Como é tudo em profusão - o número de profissionais, o de clientes que querem o lugar ao sol e o de variáveis douradas -, a trilha para o sucesso é uma incógnita; alcançá-lo pode acontecer até num acidente de percurso.
Previsões? O futuro não é comigo. Evito brincar de guru ou de otimista/pessimista - que são ambas mais ou menos a mesma coisa. Mas considerando que 1) a internet como essência não mudou nada desde que nasceu e 2) parece longe de ser extinta ou substituída, arrisco-me a dizer que temos um longo presente pela frente.
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